Imagine um país onde a inovação financeira finalmente chega ao pequeno comerciante, ao autônomo, ao dono do boteco e da padaria. Agora, imagine que uma nova regra ameaça colocar esse avanço em risco.
É exatamente isso que propõe a Medida Provisória 1303/2025: aumentar a alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) em 67%, de 9% para 15%, para empresas de contas digitais gratuitas e maquininhas de cartão, as chamadas IPs (Instituições de Pagamento). Enquanto isso, outras financeiras terão aumento menor, e os grandes bancos não serão afetados.
A proposta preocupa porque atinge justamente quem mais promoveu a inclusão financeira no Brasil. As IPs democratizaram o uso de cartões de crédito sem custos, de contas digitais gratuitas e dos pagamentos eletrônicos, permitindo que milhões de pequenos negócios e consumidores tivessem acesso a serviços antes restritos aos grandes bancos.
O impacto desse aumento será sentido no bolso dos pequenos comerciantes e também dos consumidores, que hoje contam com tarifas baixas, crédito facilitado e serviços digitais acessíveis.
Diante desse cenário, há alternativas mais justas e eficientes para o governo alcançar o mesmo objetivo de arrecadação sem penalizar quem mais inovou. Uma sugestão seria dividir o aumento de forma proporcional apenas entre as empresas do setor financeiro, com acréscimo de 10% na CSLL para cada uma, por exemplo.
Essa solução permitiria ao governo atingir sua meta de arrecadação sem concentrar o impacto sobre as IPs e, consequentemente, sobre milhões de pequenos comerciantes e consumidores do país.
É importante destacar que as IPs não são equiparáveis aos grandes bancos. Segundo dados do Banco Central, o lucro médio absoluto das três maiores IPs em 2024 foi de R$ 1,8 bilhão — quase 18 vezes menor que a média dos cinco maiores bancos, que tiveram lucro médio de R$ 32 bilhões no mesmo período. O maior banco privado ultrapassou R$ 40 bilhões em lucro.
Em termos relativos, o retorno sobre patrimônio (ROE) médio das duas maiores IPs é de 14% ao ano, ou seja, abaixo da Selic. Já o ROE dos grandes bancos chega a 23%.
O aumento da CSLL para as IPs será inevitavelmente repassado ao consumidor final. Tarifas gratuitas podem ser revistas, limites de crédito, reduzidos, e o custo das transações tende a subir. Para os grandes bancos, nada muda. Mas clientes irão sentir no bolso, com impacto direto no movimento e no faturamento dos estabelecimentos.
No fim das contas, concentrar o aumento do imposto nas IPs é um retrocesso para a inclusão financeira e para a concorrência. Se o objetivo é promover a distribuição de renda, o efeito pode ser justamente o contrário: penalizar quem democratizou o acesso ao crédito e aos serviços financeiros. O Brasil precisa de mais competição, inclusão e eficiência — e não de medidas que dificultem a vida de quem está na base da pirâmide.
*Artigo publicado originalmente no portal UOL
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